As meretrizes de estrada


O que é feito delas? Daquelas velhas gordas e desdentadas que, sentadas em cadeiras de praia, com coloridos chapéus-de-sol, vendiam felicidade a quilo aos automobilistas que passavam? Quem não sem lembra delas? Quem não se lembra dos agitados e engarrafados arbustos à beirinha das nossas estradas? Chegou o desenvolvimento, as auto-estradas e as brasileiras. Foi-se com elas a alcoviteira. Senhora de generosas coxas. De fecundos e saltitantes pimponhos que serviam de marcos de estrada à antigas nacionais. Esforçada amante de imponente presença. Cada centrímetro compreendia quilos de volúpia. Podia não ser perfeita. Mas o que lhe faltava em dentes sobrava em vontade de agradar.

Desapareceram. Sumiram. Danos colaterais da via verde e da marcha do progresso. E, sobretudo, vítimas da globalização. Russas, lituanas, peruanas, checas e brasileiras. Especialmente brasileiras. As nossas Donas Alziras e Donas Márcias deram lugar a mirradas Darlenes e Vânias. Gaiatas, made by Pitanguy, com certo travo a fast food de estação de serviço. Vieram as brasileiras com os seus apartamentos privados e foi-se a formosa Dona Alice, que, ao quilómetro 54 da recta do infantado, dispensava prazer ao metro quadrado.

E o país chora a laranja algarvia e a pêra do oeste. Chora a frigideira, o torresmo e a bola de Berlim com creme. Chora o dumping dos barcos espanhóis, da carne argentina e dos iogurtes franceses. Chora a globalização, a ASAE e a legislação comunitária. Chora por tudo. Pelas meretrizes de estrada, verdadeiras filhas da terra, não chora nada.

"É o mercado", dizem-me os entendidos. "As estrangeiras estavam mais bem preparadas". Como as laranjas espanholas, conta mais a embalagem do que o sumo. Abriram-se as portas e lá vieram elas. No mercado da felicidade quase não sobrou produto nacional. Ficaram mais tristes as bordas das estradas e abandonada a moita do quilómetro 54.

É ingrato, o país. Quanto desassossego aqueles regaços não consolaram? Quantas lágrimas aquelas parras não secaram? Quantos maridos mal cuidados não foram ali confortados?

A culpa não é do desenvolvimento, nem da globalização, nem tão pouco das brasileiras. A culpa é do povo que, deslumbrado, até na cama vive acima dos suas capacidades.


Rodrigo Moita de Deus, Atlântico n.º 34

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