La Tigre e la Neve

A poesia e a guerra. O amor e a morte. O riso e a lágrima. A fantasia e a realidade. A beleza e o horror. Depois de um morno “Pinocchio” (2002), Roberto Benigni volta a aproximar-se à magistralidade de “La Vita à Bella” (1997) com uma fábula desarmante e comovente, onde se confundem todas as emoções, e onde a pureza humana surge como remédio para uma sociedade moralmente contaminada.

“La Tigre e la Neve” conta a história de Atillio di Giovanni (Benigni), um poeta e professor universitário, divorciado e pai de duas filhas. Todas as noites Attilio imagina - a la Fellini - o casamento com a mulher dos seus sonhos. No meio dos convidados estão Jorge Luis Borges e Marguerite Yourcenar, entre outros; ao piano: Tom Waits.

Numa conferência de imprensa dada por Fouad (Jean Reno), um poeta iraquiano amigo de Atillio que vive em Paris, Attilio vê Vittoria (Nicoletta Braschi), a mesma mulher do sonho, e também a mulher por quem Attilio está perdidamente apaixonado e que persegue por todo o lado na tentativa de a convencer do seu amor. Os seus esforços recebem a dissuasora resposta de que Vittoria cederá apenas quanto nevar sobre um tigre. Vittoria está a escrever a biografia de Fouad, e quando este decide regressar a Bagdad, Vittoria vai com ele. Attilio não demora muito a ir atrás de Vittoria, mas desta feita por motivos mais graves que o capricho.

Attilio parte numa viagem atribulada para salvar o seu amor. Mas Vittoria é aqui apenas o símbolo/veículo de um sentimento que reside, essencialmente, no fundo de cada um de nós, e que deverá justificar os maiores riscos: a capacidade de amar. Uma consciência que, no mundo actual, atolado em guerras e conflitos mesquinhos, parece faltar.

“La Tigre e la Neve” apresenta claramente uma estrutura clássica em três actos, e, apesar do fio condutor, fragmenta-se em sketches, uns mais eficazes que outros, e talvez essa falta de homogeneidade seja a maior falha deste filme. De resto, a mestria de Benigni na comédia de equívocos (o ponto alto sendo o fabuloso “Il Mostro”, 1994), o lirismo dos diálogos e os subtis detalhes. Entre estes, saliento o momento em que Attilio é atingido pela bandeira da paz, num contraponto aos que justificam a guerra como meio de alcançar o seu oposto; e a invocação de Alá através de um Padre Nosso, porque afinal a fé vale por ela mesma, tal como o amor, e não pelo deus-objecto.

O filme é Benigni, em todas as cenas. Nicoletta Braschi, esposa e musa de Benigni e recorrente protagonista dos seus filmes, e, à semelhança de “Pinocchio”, também produtora, tem aqui a oportunidade rara de o confrontar. Numa participação mais do que especial, Waits, que conhece Benigni pelo menos desde 1986, quando contracenaram em “Down by Law” (1986), de Jim Jarmusch, canta “You Can Never Hold Back Spring”, uma belíssima canção composta com Kathleen Brennan propositadamente para este filme. O resto da música é assinada por Nicola Piovane, que recebeu o Oscar por “La Vita è Bella”.

“La Tigre e la Neve” é um filme sobre palavras, e a importância de escolher as certas. De nunca nos esquecermos de dizer adeus a quem amamos (e, por sinal, não esquecer também de dizer que os amamos), porque de cada vez pode ser para sempre.

Um filme belo sobre o amor, não aquele que é imutável mas aquele que é inelutável.

Rita Almeida

http://cinerama.blogs.sapo.pt/

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